Sim conheço seu sofrimento.
“Se eu tenho fome, o problema é meu. Se meu irmão tem fome, o problema é nosso.” Essas palavras de Dom Helder Câmara são um convite a sermos fraternos e solidários com nossos irmãos que passam a fome. O problema da fome já está presente há muito tempo na história da humanidade e o encontramos na própria Bíblia Sagrada. Segundo a Sagrada Escritura, a fome sempre foi um flagelo do povo, sentido com grande compaixão por Deus. A Palavra de Deus ilumina a existência humana, com suas sombras e caminhos de esperança.
No livro do Êxodo, Deus se revela comunitariamente. Um Deus que vê o sofrimento humano e age para a sua libertação. A perspectiva do Êxodo perpassa todo o Antigo Testamento. O Maná dado no deserto é um alimento misterioso, assim como é Mistério quem o dá. Ela é a marca de sua presença, é sinal de seu poder prodigioso, é também provação para o povo; diante da fartura, é chamado a não reter mais que o necessário. Não é à toa que a fartura de alimentos é uma virtude distintiva da Terra Prometida.
Associada a partilha do alimento está a prática da hospitalidade. Abraão acolhe o próprio Deus; a viúva de Sarepta gasta as últimas provisões para acolher o profeta. Jesus acolhe em sua aliança os seus discípulos por meio de uma Ceia. Oferecer alimento é, gesto de acolhimento, responsabilidade e proteção. Os profetas denunciam a falta de cuidado e responsabilidade por aqueles que não tem pão. De nada adianta os sacrifícios oferecidos e os jejuns se não levam ajudar os necessitados (Amós, Isaias, Sirácide).
No Novo Testamento, Jesus por suas palavras e ensinamento sua predileção pelos famintos. Na oração que ensina aos discípulos, o pedido do pão de cada dia é primordial. Jesus usa a imagem do pão para referir-se a sua pessoa e à salvação que oferece. A prática das comunidades cristãs nos Atos dos Apóstolos tem como característica principal a comunhão da fração do pão. O ápice da relação entre o pão e a dimensão salvífica está nos relatos eucarísticos. A 1Cor 11,17-34 de Paulo expressa a sua preocupação dos que celebram a Eucaristia sem se comprometer com o amor mútuo e as necessidades de cada um. As memórias do Ressuscitado e discursos sobre o alimento e partilha merece destaque o episódio da alimentação de uma multidão. O milagre da multiplicação tem sua memória atestada pela tradição oral das primeiras comunidades. Aparece seis vezes nos Evangelhos.
Cada Evangelho em sua narrativa atende expectativas e finalidades específicas. Mateus no ano 80 escreve a uma comunidade judeu-cristão, em que Jesus tem por objetivo demonstrar a amplitude de seu projeto e da sua salvação. Mateus nos mostra Jesus mais por seus ensinamentos do que por seus feitos. A Campanha da Fraternidade de 2023 é orientada pelo trecho do Evangelho de Mateus que ensina a nos tornar em cada comunidade líderes a exemplo do Mestre. O Evangelho de Mateus indica costumes e valores relacionados à misericórdia e à solidariedade pelas necessidades dos pobres. No Antigo Testamento o amor de Deus devia ser traduzido no amor ao órfão, à viúva e ao estrangeiro. Os primeiros cristãos acolhem essas noções e as ampliam. Impelem à partilha do muito e do pouco que se tem.
Mateus insere duas narrativas sobre a alimentação da multidão: Mt 14,13-21 e 15,32-39. A Campanha da Fraternidade orienta pela primeira narrativa. As notícias da morte de João Batista levam Jesus à angústia e deseja retirar-se para poder estar sozinho. Acontece que há uma urgência do ministério de Jesus: diante da fome das pessoas, Ele não pode colocar sua angústia em primeiro lugar. Ele é exemplo de despojamento. Ele se esvazia do próprio sofrimento para dar lugar em seu coração, o sofrimento do povo. Exemplo de verdadeira compaixão. O alimento que Jesus oferece como resultado de sua compaixão é, também, refeição de hospitalidade. As multidões sentam na relva e comem com fartura porque se sentem protegidas e amparadas por Jesus.
Neste mês de maio continuamos o tempo Pascal que ilumina e nos fortalece na fé em Jesus Cristo presente na comunidade cristã, lembramos também, que este mês é dedicado à Nossa Senhora, a Mãe de Jesus, que ensina a todos nós, membros da comunidade cristã, a viver com alegria estes valores da compaixão, da partilha, da solidariedade e da acolhida.
Dom Protogenes José Luft