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uma jornada sagrada da alma

Os cristãos empreendem peregrinações desde que o imperador romano Constantino construiu as grandes basílicas em Roma sobre os túmulos de Pedro e Paulo

A vida é uma peregrinação. A palavra deriva do latim peregrinare, que, literalmente, significa “vagar pelos campos de grãos”. A peregrinação parece ser quase instintiva para a humanidade: ao longo dos séculos, pessoas de todas as fés e tradições partiram em jornadas ou buscas sagradas.

A peregrinação na Bíblia

A Bíblia está repleta de narrativas em que Deus convida uma pessoa ou um povo inteiro a partir. A primeira “peregrinação” bíblica é relatada em Gênesis 12, 1-4, quando Abrão foi chamado por Deus para deixar o seu passado pagão e a casa de seu pai e migrar para a terra escolhida por Deus, onde receberia as bênçãos divinas. No livro do Êxodo, Deus pede a Moisés que conduza o seu povo para fora da escravidão no Egito e rumo à Terra Prometida (cf. 12,37-19,8).

Representação do êxodo do povo hebreu do Egito rumo à Terra Prometida

Leemage via AFP

No Novo Testamento, Deus continua a chamar as pessoas para partirem, mas o chamado é amplamente centrado em Jesus Cristo. Como no caso dos profetas do Antigo Testamento, Jesus, cujo “reino não é deste mundo”, ouviu a voz de seu Pai, obedeceu e deixou a sua “casa” celestial para se encarnar como homem e habitar entre nós, retornando à casa do Pai depois da sua ressurreição.

O surgimento das peregrinações cristãs

Com o tempo, os cristãos começaram a olhar para a vida espiritual através das lentes da peregrinação. No século IV, em grande parte como resultado da legalização do cristianismo e do fim das perseguições, as peregrinações ganharam muita força.

O imperador romano cristão Constantino construiu grandes basílicas em Roma sobre os túmulos de Pedro e Paulo, bem como outras basílicas em homenagem a Jesus, Maria e João. Enquanto isso, sua mãe, Helena, ergueu igrejas e santuários na Palestina para relembrar os acontecimentos dos Evangelhos.

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Esses grandes edifícios abriram o caminho para os cristãos poderem visitá-los e neles adorarem a Deus. Ao mesmo tempo, Helena levou relíquias de Jerusalém para a Europa, despertando ainda mais interesse pelos lugares sagrados ligados à vida terrena de Jesus. Assim, cristãos de todo o mundo começaram, pouco a pouco, a viajar para visitar os túmulos dos apóstolos mártires a fim de honrá-los, conectar-se com os eventos da sua vida e fazer penitência.

Inspiração nos cruzados

Cruzadas

No século XI, a peregrinação entrou em cheio na prática devocional cristã. As histórias contadas pelos cruzados depois de voltarem para casa despertavam a curiosidade e aumentavam o desejo das pessoas de conhecerem elas mesmas os lugares sagrados da vida de Jesus.

Um grande número de cristãos de todas as classes e condições partia para essa jornada. Enquanto muitos iam para a Terra Santa, outros tantos iam para lugares como Roma, a fim de visitar os túmulos e basílicas de Pedro e Paulo, ou Compostela, na Espanha, para visitar o túmulo de São Tiago Apóstolo, assim como Loreto, na Itália, para ver a Santa Casa de Nossa Senhora, ou o Monte Sant’Angelo, também na Itália, para conhecer a gruta de São Miguel Arcanjo. Poderíamos citar uma infinidade de outras metas de peregrinação semelhantes a essas.

Santuário da Santa Casa de Loreto
Santuário da Santa Casa de Loreto

Tatiana Dyuvbanova | Shutterstock

Os peregrinos enfrentavam doenças, violência, naufrágios e conflitos. Muitos nunca voltaram para casa, em decorrência de tantos perigos. Antes de partir, aliás, o peregrino preparava um testamento, doava ou vendia os seus bens e celebrava um rito litúrgico de despedida, semelhante ao de um funeral.

Depois de vestir a túnica de peregrinação, o cajado e a bolsa de couro, o peregrino partia. Usava-se um chapéu de abas largas com um pano longo envolvendo o corpo das costas até a cintura. O símbolo da concha de vieira era usado por quem se dirigia ao túmulo de São Tiago em Compostela, enquanto as chaves eram usadas por quem ia a Roma. Os que iam para a Terra Santa carregavam a cruz de Jerusalém. A vestimenta distintiva caracterizava os peregrinos e os identificava como tais, para a sua proteção.

Peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela
Peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela

MaxMaximovPhotography | Shutterstock

Os peregrinos também se dirigiam a locais menos conhecidos, por especial devoção a um determinado santo, por exemplo. Também eram construídos santuários em lugares associados à vida de santos de particular popularidade, como o seu local de nascimento, o do seu martírio ou morte, ou onde ele tivesse vivenciado alguma experiência sobrenatural.

Peregrinações interiores

sta teresa castelo

Nesse tempo, os monges que nunca viajaram para além dos confins do claustro começaram a usar a peregrinação como metáfora da viagem interna do coração e da alma. Associando a peregrinação exterior com a interior, procuravam “viajar” espiritualmente rumo ao céu.

A peregrinação geográfica entrou em declínio após a Reforma Protestante, que desafiou a teologia das indulgências e as devoções medievais. O Iluminismo dos séculos XVIII e XIX praticamente eliminou a peregrinação devocional, que muitas pessoas passaram a desprezar como superstição medieval.

Peregrinações modernas

SANTIAGO COMPOSTEL

Ao longo das últimas décadas, porém, as peregrinações foram voltando com força. Os peregrinos modernos redescobriram a poderosa espiritualidade do caminho da fé. Certamente, aviões, ônibus confortáveis e hotéis tornaram as viagens mais seguras e menos penitenciais. No entanto, também os desembolsos e desconfortos das viagens atuais, os pés doloridos e a ausência do aconchego do lar podem exigir a sua dose de sacrifício a ser oferecido a Deus como penitência.

Os peregrinos de hoje anseiam, no fim das contas, por um afastamento da própria rotina com o intuito de experimentar a Deus mais intensamente. Eles esperam testemunhar algum sinal, milagre ou verdade da fé. Eles almejam alguma resposta para as suas sinceras orações.

A peregrinação, em suma, é uma resposta da alma ao anseio por mais proximidade de Deus, por uma pausa no comum a fim de abraçar o desconhecido no contexto da fé. A peregrinação tem um objetivo: encontrar o Deus vivo. Ao longo do caminho, o peregrino recebe graças especiais por intermédio da espiritualidade ou da sacralidade de um lugar, que, por sua vez, tem origem na teologia da criação e da Encarnação. As peregrinações são únicas porque revelam um Deus encarnado: um Deus que vem habitar entre nós. As pessoas são tocadas por Deus em lugares reais.

Ao visitar os lugares onde os nossos predecessores experimentaram a Deus, podemos conectar-nos mais facilmente com os acontecimentos e abrir-nos ainda mais para receber as graças divinas. Os lugares sagrados nos ajudam, assim, a intensificar o nosso contato com o Deus vivo, o Deus que se fez carne e habitou entre nós.

Pielgrzymka seminarzystów na Jasną Górę



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