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Frei Patton: a Terra Santa precisa de uma liderança que trabalhe pela reconciliação

Entrevista com o Frade Custódio da Terra Santa: as feridas causadas pela guerra, a hipótese de dois Estados, o papel dos cristãos, os caminhos para a paz

Andrea Tornielli

Oração e intercessão. Permanecer, apesar de tudo, entre as partes em conflito, para dar testemunho do anúncio pascal e da consciência de que o mal já foi vencido. É isso que emerge das palavras de Frei Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, nesta entrevista à mídia do Vaticano.

Frei Patton, qual é o ar que se respira atualmente em Jerusalém?

Desde o dia 7 de outubro, respira-se um ar muito pesado, porque é como se tivesse sido rompido o equilíbrio dentro do Estado de Israel entre a parte judeu-israelense e a parte árabe-palestino-israelense. E também o equilíbrio que existia entre Israel e a Cisjordânia: havia a possibilidade de ir e vir, sem grandes problemas, e também para os palestinos da Cisjordânia era muito fácil vir trabalhar. Podia-se sair de Gaza, para trabalhar nos kibutzim vizinhos. Era possível sair para tratamento em Jerusalém com terapias não administradas em Gaza. Após o ataque de 7 de outubro, todos esses equilíbrios se romperam. Agora, dentro do próprio Estado de Israel, os judeus-israelenses começaram a olhar com desconfiança para os árabes-israelenses, e os árabes-israelenses começaram a se sentir cada vez mais inseguros, mesmo no local de trabalho e na vida cotidiana, até mesmo ao andar pela rua. Vários de nossos cristãos me disseram: “Quando ando pela cidade, em Jerusalém, evito falar árabe”. Isso diz muito sobre o clima que foi criado.

Como está sendo vivenciada a tragédia dos reféns sequestrados pelo Hamas?

A situação dos reféns testou severamente essas famílias, que são quase todas – com raras exceções – de mente muito aberta: não eram famílias hostis à presença palestina em Israel ou na Cisjordânia, pelo contrário. O sofrimento deles foi e continua sendo terrível, porque se faz uma triste contagem regressiva perguntando-se quantos ainda estarão vivos.

E no que se refere à tragédia de Gaza?

Obviamente os palestinos solidarizam com Gaza: eles pertencem ao mesmo povo e sofrem ao ver tanta destruição: 35 mil mortos, dos quais provavelmente mais de 15 mil são crianças, e não sabemos quantos ainda estão sob os escombros… Uma destruição sistemática. Isso criou um sentimento de frustração, raiva, um conflito interior. E não podemos esquecer que há até cristãos, especialmente da Galileia, que fazem parte do exército, lutando em Gaza. Há um desconforto e uma grande dificuldade em abordar essas questões também para nós, cristãos da Terra Santa, porque compreendemos muito bem o sofrimento de ambos os lados. Sabemos as razões e os erros de um lado e do outro. Queremos que essa guerra termine, pois, caso contrário, o sulco do ódio se aprofunda a cada dia, e juntar as peças depois será realmente muito difícil.

Nos últimos meses, também testemunhamos a escalada de atos violentos por parte dos colonos.

Na Cisjordânia, vimos uma escalada sem precedentes: enquanto antes suas ações eram um pouco mais controladas, durante esses seis meses, não foi assim. Também sabemos que vários milhares de palestinos na Cisjordânia foram detidos sob detenção administrativa, ou seja, essencialmente sem direitos. E há também várias centenas de palestinos que foram mortos na Cisjordânia, no decorrer de operações militares, por colonos ou de outra forma, e, portanto, não em circunstâncias relacionadas a ataques, atentados ou, de qualquer forma, ações violentas, mas também na vida comum: agricultores que foram colher azeitonas e encontraram colonos que atiraram neles. Levará muito tempo para superar esse tipo de ferida, porque a dimensão emocional desse conflito foi muito forte.

Voltando ao dia 7 de outubro: que explicação pode ser dada para o que aconteceu?

O que aconteceu em 7 de outubro precisará ser estudado e investigado em profundidade, porque os próprios jornais israelenses acusaram tanto o governo quanto o exército de ignorar os documentos que a inteligência do exército havia fornecido e que falavam de uma possível operação desse tipo por parte do Hamas e dos sinais já nos dias anteriores. Acredito que seja do interesse de Israel esclarecer essa questão.

As consequências desse hediondo ataque terrorista contra civis são o que temos visto, ou seja, a carnificina em Gaza…

A reação foi tão forte exatamente porque houve um choque. Mesmo do ponto de vista das escolhas militares, a dimensão mais emocional parece ter prevalecido, o desejo de reafirmar uma forma de supremacia militar, o desejo de reafirmar uma dissuasão que, de alguma forma, foi desafiada e questionada. É possível perceber o desejo de dizer: “No futuro, ninguém ousará tentar algo assim”.

São fatos que deixam um rastro de ódio. Para reconstruir as casas, a ajuda financeira é suficiente; para reconstruir a paz nos corações, é necessário muito mais tempo.

As feridas permanecerão por muito tempo; para serem curadas, elas precisarão de uma liderança esclarecida, de ambos os lados, que saiba como trabalhar pela reconciliação. Na Europa, no século XX, foram combatidas duas guerras mundiais com milhões de mortos. Depois, em vez de lutar por recursos, eles os compartilharam: esse foi o grande golpe de gênio de Schuman, De Gasperi e Adenauer quando decidiram criar a Comunidade do Carvão e do Aço. Foi um caminho que garantiu à Europa um período de paz. No momento, não vejo a possibilidade de fazer algo semelhante em Israel e na Palestina, porque eles não compartilham o mesmo quadro cultural. A Europa, bem ou mal, até meados do século XX, era um continente que se referia aos valores cristãos e, portanto, também aos valores de reconciliação, paz, cooperação e afins. Agora, estamos nos deparando com culturas que não são tão compatíveis umas com as outras.

Qual é a sua opinião sobre os “Acordos de Abraão”?

Eu os via de forma positiva: países que estavam em posições diferentes por motivos ideológicos começaram a cooperar, mesmo sendo por interesses econômicos ou defensivos. Para mim, foi um primeiro passo e pensei que, uma vez concluídos os Acordos de Abraão, também seria necessário lidar politicamente com a questão palestina. Em vez disso, enquanto estava na reta final também um acordo com a Arábia Saudita, houve o ataque de 7 de outubro. Uma operação que não apenas sabotou os Acordos de Abraão, mas que, na verdade, tornou mais difícil lidar politicamente com a questão palestina. E, ao mesmo tempo, tornou isso necessário.

Na verdade, mesmo aqueles que consideravam a hipótese de dois Estados ultrapassada agora estão voltando à posição que sempre foi a da Santa Sé.

Certamente é mais difícil agora do que era há dez ou vinte anos. Mas, ao mesmo tempo, existe agora uma consciência de que a questão palestina deve ter uma solução política. E, portanto, o retorno da teoria dos dois Estados também está ligado ao fato de que, neste momento, acredito que não seja provável pensar em um único Estado. Saber como estabelecer concretamente o segundo Estado, o Estado da Palestina – porque já existe um, o de Israel – certamente precisa da contribuição, em primeiro lugar, dos diretos interessados, ou seja, os palestinos. Não se pode criar o Estado da Palestina na pele dos palestinos, porque essa operação já foi feita no passado e não deu certo. Eles precisam estar envolvidos. Então, é necessário que os países mais influentes – principalmente os Estados Unidos, mas também os países árabes do Golfo – ajudem a encontrar a forma correta. Os problemas, se sabe, são solucionáveis. Na sua época, Sharon, quando decidiu pela retirada dos colonos de Gaza, também foi capaz de implementá-la de fato.

Como esse cenário é possível hoje?

Na Cisjordânia, se o Estado de Israel aceitar a solução de dois Estados, terá de optar pela retirada dos colonos ou pela integração dos colonos em um Estado palestino, já que em Israel há parte da população de língua árabe no Estado, ou alguma outra forma a ser estudada. Sabemos que há muitos tipos de modelos de Estado, alguns dos quais preveem regiões autônomas. Isso não é algo que possa ser feito em poucos meses, mas também não pode ser deixado em perene indeterminação. Para também dar esperança aos palestinos, devemos estabelecer uma data certa para que esse Estado comece a existir e, consequentemente, devemos estabelecer uma road map. Obviamente, primeiro a guerra deve terminar e também deve haver apoio internacional, porque os que vivem na Cisjordânia, e mais ainda os que vivem em Gaza, estão passando por dificuldades inimagináveis.

Como os cristãos vivem o que está acontecendo?

Os cristãos são uma realidade muito diferenciada entre eles. Por um lado, sentem que pertencem a um povo, mas, por outro lado, também sentem, como cristãos, que são chamados a ir além de uma visão étnica. Os cristãos também estão sofrendo muito no momento porque estão no meio do conflito e estão sendo puxados pelos dois lados. Há pessoas de ambos os lados que gostariam que os cristãos assumissem uma posição unilateral. Os cristãos procuram ser mulheres e homens de paz e, em geral, os cristãos da Terra Santa são – eu ousaria dizer – a parte da população culturalmente mais pacífica e, portanto, aquela que, de alguma forma, poderia contribuir, no futuro, para o caminho da reconciliação de que estávamos falando. Porém, eles se sentem frustrados porque, muitas vezes, além das declarações oficiais e daquelas com fins de marketing político, o mundo judeu os considera simplesmente árabes e o mundo árabe não os considera suficientemente árabes por serem cristãos. Atualmente, voltou o desejo de emigrar. Dos que vivem em Gaza, acho que muito poucos permanecerão, e isso é uma pena, porque Gaza está nos Atos dos Apóstolos, é um dos lugares onde o monaquismo floresceu nos primeiros séculos. Também na Cisjordânia, muitos estão pensando em ir embora. Mas o mais surpreendente é que também na Galileia, por causa da criminalidade local, muitos estão pensando em emigrar.

O que significa, diante de tudo isso, acreditar na Ressurreição?

O cristão, antes de tudo, acredita na mensagem da Ressurreição, mas sabe que o tempo da história ainda não é o tempo da plena comunhão de todos os povos na Jerusalém celestial. Ainda estamos em uma fase intermediária, o tempo da história ainda é um tempo de tensões: assim é descrito nos Evangelhos, assim é descrito nas Cartas de Paulo, e assim é descrito nesse texto maravilhoso que é o Apocalipse, que descreve o confronto na história entre aqueles que seguem o Cordeiro imolado e aqueles que seguem outras lógicas e transformam tudo em um mercado, chegando até a comprar e vender vidas humanas. O que devemos manter vivo nesse campo de batalha que é a história é a esperança certa que vem do fato de que Cristo já venceu o mal e a morte com sua Ressurreição. Ser cristãos na Terra Santa representa uma vocação especial. Os cristãos aqui estão intimamente ligados à dimensão histórica da revelação e da Encarnação. Se são poucos ou muitos, não importa, mas é essencial que os cristãos da Terra Santa sempre ajudem toda a Igreja a se lembrar da dimensão histórica do cristianismo, que é uma dimensão muito importante para evitar a dissolução do cristianismo em formas de gnosticismo ou formas de religiões de mitos.

Após o ataque aos Estados Unidos de 11 de setembro, em sua Mensagem para o Dia da Paz de 2002, João Paulo II escreveu: “Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão”. Qual é a importância da reconciliação e do perdão?

A reconciliação é fundamental. Acho que essa mensagem é, de longe, a mais importante mensagem para o Dia da Paz já dada por um pontífice. E ela está ao lado da encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, que lista quatro pilares para a construção da paz: justiça, verdade, caridade e liberdade. A reconciliação, como afirma o Papa Francisco na encíclica Fratelli tutti, tem uma dimensão não apenas de justiça, mas também de verdade. Portanto, é necessário, para que se possa trilhar um caminho de reconciliação, ser capaz de chamar as coisas pelo nome. O mesmo se aplica ao perdão. O perdão não é uma anistia, não é fingir que nada aconteceu. Perdoar é assumir todas as consequências negativas, de sofrimento, de maldade, que o mal produz. Quando pensamos em perdão, pensamos em Cristo na cruz, da cruz que perdoa. Para poder perdoar, tenho de aceitar o tipo de sofrimento que me permite não reagir. Ao tapa, como Jesus fez na hora da Paixão, não respondo com o tapa.

Como pode ser criado um caminho assim na Terra Santa?

Será muito longo porque, para nós, cristãos, a reconciliação é universal, diz respeito a todos. O mundo judeu e o mundo muçulmano têm a categoria de reconciliação, mas ela é aplicada principalmente em suas próprias comunidades. Portanto, mais uma vez, a presença dos cristãos se torna fundamental, porque ela leva além do horizonte étnico e do horizonte da própria comunidade religiosa. E os cristãos também devem estar dispostos a pagar um preço de sofrimento por isso. Não se pode exigir isso de todos, por isso entendo aqueles que não conseguem mais lidar com a situação e deixam o país, como aconteceu no Iraque, na Síria e no Líbano, porque temem por suas próprias vidas ou dos próprios familiares. Ao mesmo tempo, quando me perguntam, especialmente os jovens, por que devem ficar, respondo assim: “O seu país, sem a presença cristã, será melhor ou pior?”. A resposta que sempre me dão é: “Vai ser pior”. Aqueles que ficam sabem que precisam pagar um preço: o preço de ser fiel a Cristo e também de dar a vida, no sentido de que, no final, é isso que acontece.

Nesses meses, o que significou para o senhor ser Custódio da Terra Santa?

Mudou minha abordagem à realidade. Antes de 7 de outubro, eu achava que era possível avançar lentamente e fazer crescer as iniciativas de diálogo que haviam sido iniciadas tanto do lado do mundo judeu israelense quanto do lado do mundo muçulmano, especialmente, nesse segundo caso, nas escolas. Nesses seis meses, vi que muitas das iniciativas encaminhadas de alguma forma “congelaram”, e isso me leva a dizer que é preciso ter paciência no sentido de saber esperar pelo momento em que será possível reiniciá-las. Depois, senti muito mais importante o serviço da oração, o valor da intercessão: é uma questão de caminhar entre duas realidades, pedindo a Deus que, de alguma forma, faça com que haja um ponto de encontro. Muitas vezes conversamos com o Patriarca Pizzaballa e também percebemos que nessa realidade não está em jogo apenas a vontade humana, mas há um mistério do Mal que está em ação. Por isso, sinto ainda mais a necessidade de rezar. Por fim, tento encorajar os frades, em primeiro lugar, e depois as pessoas, para manter viva a esperança.

Diante do que está acontecendo, é fácil ser pessimista…

O pessimismo é uma falta de fé. Deixar-se devorar pelo pessimismo significa não acreditar no poder da Páscoa. Eu acredito no poder da Páscoa: acredito que Cristo realmente venceu o mal e a morte, e acredito que aqueles que hoje tentam resolver os problemas de uma determinada maneira já perderam no começo. Sei que aqueles que optam por usar a violência de alguma forma já perderam. Porque Cristo, que morreu e ressuscitou, nos diz que essa é outra perspectiva de vida e também de enfrentamento dos problemas.

Vocês se sentiram apoiados durante esses meses de guerra?

Muitas pessoas demonstram sua proximidade, escrevem para nos dizer que se lembram de nós, que rezam por nós. Nós nos sentimos muito apoiados, sempre, pelo Papa, porque ele nunca deixou de falar sobre a paz, mesmo sabendo que era um tema impopular, mesmo sabendo que era um tema mal compreendido. E ele sempre mencionou a Palestina, Israel, a Terra Santa… Já disse em mais de uma ocasião que, em alguns aspectos, somos privilegiados, pois há muitas outras realidades que estão sofrendo e não são lembradas como nós. E também temos recebido muito apoio da nossa Ordem. Portanto, eu diria que, no geral, senti o apoio. O que temos e precisaremos nos próximos tempos, além de proximidade, também será apoio concreto para ajudar os cristãos e a população local diante das dificuldades econômicas que a guerra trouxe.

VATICANO NEWS

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